Em nossa casa, temos um consumo muito grande de jornal. Pilhas e pilhas são gastas todos os meses. Gostaria de dizer que tudo é o resultado de uma intensa leitura de jornais, mas na verdade quem realmente consome os jornais são nossos animais de estimação. Quem mora em apartamento sabe como é.
Por conta disso, muitos de nossos amigos nos entregam seus jornais após os terem lidos.
Hoje uma colega do trabalho me entregou um jornal chamado “Show da Fé”, da Igreja Internacional da Graça de Deus. Com uma óbvia curiosidade pelo conteúdo do jornal, me propus a lê-lo antes que esse cumprisse sua missão final no grande ciclo da vida.
Eu tenho uma certa (certa) simpatia pelo missionário R. R. Soares. Eu acho ele mais consistente do ponto de vista bíblico do que os outros pregadores dessa vertente “evangelho da prosperidade” e movimento “palavra de fé”. Percebo essa consistência menos em suas pregações e mais em suas respostas dada a perguntas feitas em seu programa de televisão.
Duas coisas me chamaram a atenção no jornal e uma terceira que confirma minhas observações sobre Soares.
A primeira coisa que me chamou a atenção no jornal foi a forma como o cristianismo é apresentado. Lendo os artigos e testemunhos publicados, percebe-se o foco em um cristianismo que liberta a pessoa do domínio de Satanás e traz como resultado imediato a benção e a prosperidade. Como afirmou R. R. Soares em um artigo sobre evangelismo (que começou de forma promissora, mas teve um desfecho desapontante) “a missão mais importante a se cumprir, que é a pregação do evangelho, com os sinais que o Mestre fazia, já está bem adiantada em todo o mundo”. Veja a qualificação que é acrescentada “com os sinais que o Mestre fazia”. Essa parte é importante nesse tipo de mensagem.
Mais adiante, no mesmo artigo, falando sobre aqueles que devem ser evangelizados, ele diz que “são pessoas maravilhosas, mas que ainda não sabem o que sucedeu no Calvário”. Contrariando as Escrituras que diz que não há ninguém que seja bom, senão Deus (Mar 10:18), que todos pecaram (Rom 3:23), ninguém que busque a Deus (Salmo 53:2,3) e que nossas melhores obras são como trapos de imundícia (Isaías 64:6), esse texto nos prepara para algo que é constante em todo o jornal: o evangelho como opção para uma vida melhor. A palavra pecado pouco aparece no jornal e a palavra inferno é inexistente. A mensagem evangelística pode ser resumida em “se você já tentou tudo em sua vida e ela não deu certo até agora, venha para Jesus e ele vai mudar sua vida para melhor”. Nenhuma menção sobre o quanto pecamos contra Deus, nenhuma menção sobre nosso destino eterno se morrermos em nossos pecados, nada sobre o sacrifício de Cristo para nos salvar da ira vindoura (mas sim para nos libertar de nossos problemas), da ressurreição e da necessidade de nos arrependermos e colocar nossa fé em Cristo como nosso único e verdadeiro salvador. Nada disso. Somente a mensagem do venha para Jesus, mude de religião e está tudo certo. Isso é nítido por todos o jornal. Veja por exemplo os títulos de alguns dos artigos “O que mudou na vida deles”, “Saúde restaurada”, “Renda triplicada”, “O que eu mais queria era paz”, A obediência à Deus é o caminho para a prosperidade” e por aí vai. Com uma dose cavalar de pelagianismo, esse evangelho do cristianismo apenas como um estilo de vida melhor do que os anteriores vai sendo levada às multidões em nosso país.
E é essa orientação filosófica do cristianismo que também me chamou a atenção. Não somente você poder mudar sua religião, como você também pode se cercar de toda uma gama de produtos que vão mostrar esse novo estilo de vida. Tudo o que o mundo tem para oferecer encontra sua versão evangélica para saciar o convertido. Do vestuário e musicas até TV a cabo, passando por bolachas e macarrão instantâneo com a logomarca da igreja. Você pode mudar sua religião e também seus hábitos de consumo.
E a terceira coisa que confirmou as minhas observações foi uma resposta dada pelo missionário R. R. Soares a uma pergunta feita em uma sessão do jornal.
Uma mulher diz ter tido uma vida promíscua antes de sua conversão e que após esse evento se casou e hoje possui um filho com síndrome de Down. Ela gostaria de saber se a doença de seu filho é um tipo de castigo por parte de Deus por causa de sua vida pré-conversão.
A resposta de Soares foi categórica: Não! E explica. “Todos os nossos pecados do passado foram perdoados e jogados no mar do esquecimento (2 Cor 5:17; Mi 7:19; Isaías 43:25)”. Foi uma alegria ler essa resposta, mesmo sendo essa a única vez que uma explicação mais bíblica do evangelho foi apresentada.
Esse texto confirma minhas observações sobre a maior consistência de Soares em relação aos outros pregadores da mesma vertente. Ele sabe dessas coisas.
Isso lança alguma esperança para o futuro desse ministério. Se ao menos missionário pregasse e ensinasse mais sobre essas coisas e menos sobre o evangelho da prosperidade...
Espero que seja menos show e mais fé cristã. Milhões que ouvem a R. R. Soares seriam expostos ao verdadeiro evangelho bíblico.
Vamos continuar em oração para que esse dia chegue o mais rápido possível.